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"Nosso Grupo de Genealogia da Familia Freire será tão forte quanto seus membros o façam"

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BIOGRAFIA DE 

PAULO REGLUS NEVES FREIRE 

mais conhecido como 

PAULO FREIRE

A Voz da Esposa
A Trajetória de Paulo Freire

Ana Maria Araújo Freire

1. Infância, adolescência e primeiras experiências profissionais
2. O "Método Paulo Freire
3. O educador popular, exílio e retorno
4. Repercussão da obra de Paulo Freire
5. O escritor Paulo Freire
6. O ser humano Paulo Freire

Escrever uma biografia de Paulo Freire tem para mim um sentido muito especial. Justifico: primeiro, porque somos mulher e marido, unidos por laços de amor e paixão; segundo, porque venho pesquisando a história da educação brasileira há muitos anos e, assim, falar sobre este educador é reviver também o processo de sua inserção nela, e isso é provocador e gratificante; terceiro, porque nos conhecemos por quase todas as nossas vidas, desde 1937. Ano em que, após exaustivas e infrutíferas caminhadas de sua mãe pelas ruas do Recife à procura de uma escola onde Paulo pudesse estudar, ele foi acolhido por meu pai que lhe ofereceu esta possibilidade. Conheci-o nos corredores do Colégio Oswaldo Cruz, de propriedade de meu pai, Aluízio Pessoa de Araújo, naquele distante Recife de 1937, quando eu tinha apenas quatro anos de idade e ele, tardiamente, aos 17 anos incompletos, começava o segundo ano do curso secundário.

Assim, com a percepção de mulher-esposa, de mulher-historiadora e, ao mesmo tempo, mulher-amiga, pretendo registrar aqui algumas informações sobre a vida e a obra dele.

Como seria impossível elencar todos os esforços de Paulo Freire, seja os do Brasil, seja os espalhados pelos mais diversos países, mencionarei, passo a passo, no corpo deste trabalho, algumas das suas contribuições e os reflexos destas na área político-educacional por todo o mundo. Acrescentarei também iniciativas em torno da compreensão de educação de Freire tomadas em várias partes dos diferentes continentes.

Este famoso educador, Paulo Reglus Neves Freire, conhecido no Brasil e no exterior apenas como Paulo Freire, nasceu em Recife, PE, em 19 de setembro de 1921, filho de Joaquim Temístocles Freire e Edeltrudes Neves Freire.

1. Infância, adolescência e primeiras experiências profissionais

Começou sua leitura da palavra iniciado por sua mãe escrevendo palavras com gravetos das mangueiras, à sombra delas, no chão do quintal da casa onde nasceu, na Estrada do Encanamento, 724, no bairro da Casa Amarela, como tanto gosta de lembrar e de dizer.



Aos 10 anos de idade foi morar nas vizinhanças da capital pernambucana, em Jaboatão, uma cidadezinha 18 quilômetros distante de Recife, que, para Paulo, tem sabor de dor e de prazer, de sofrimento e de amor, de angústia e de crescimento. Nela, Paulo, aos 13 anos de idade, experimentou a dor da perda de seu pai, conheceu o prazer de conviver com os amigos e conhecidos que foram solidários naqueles tempos difíceis; sentiu o sofrimento quando viu sua mãe, precocemente viúva, lutar para sustentar a si e a seus quatro filhos, fortaleceu-se com o amor que entre eles aumentou por causa das dificuldades que juntos enfrentaram, sofreu a angústia devido às coisas perdidas e às provações materiais, espantou-se com o crescimento de seu corpo, mas, sem deixar que o menino o abandonasse definitivamente, permitiu que o adulto fosse conquistando espaço em sua existência. À medida que via seu corpo crescer, sentia também sua paixão pelo conhecimento aumentar.

Numa das notas que escrevi para a Pedagogia da esperança de Paulo disse o que julgo interessante transcrever aqui sobre sua relação com Jaboatão:

"Mas foi também em Jaboatão que sentiu, aprendeu e viveu a alegria no jogar futebol e no nadar pelo rio Jaboatão vendo as mulheres, de cócoras, lavando e 'batendo' nas pedras a roupa que lavavam para si, para a própria família, e para as famílias mais abastadas. Foi lá também que aprendeu a cantar e assobiar, coisas que até hoje tanto gosta de fazer, para se aliviar do cansaço de pensar e das tensões da vida do dia-a-dia; aprendeu a dialogar na 'roda de amigos' e aprendeu a valorizar sexualmente, a namorar e a amar as mulheres e por fim foi lá em Jaboatão que aprendeu a tomar para si, com paixão, os estudos das sintaxes popular e erudita da língua portuguesa.

Assim Jaboatão foi um espaço-tempo de aprendizagem, de dificuldades e de alegrias vividas intensamente, que lhe ensinaram a harmonizar o equílibrio entre o ter e o não-ter, o ser e não-ser, o poder e não-poder, o querer e não-querer. Assim forjou-se Freire na disciplina da esperança". (Pedagogia da esperança, p. 222)

 



Foi em Jaboatão que Paulo concluiu a escola primária. Em seguida, fez o primeiro ano ginasial no Colégio 14 de Julho que, funcionando no bairro de São José, era na verdade um prolongamento do Colégio Francês Chateaubriand, situado na Rua da Harmonia, 150, Casa Amarela, onde se realizavam os exames finais. Após este primeiro ano de estudos secundários sob a tutela do professor de matemática Luiz Soares, ingressou no Colégio Oswaldo Cruz, também em Recife. Neste educandário, completou os sete anos dos estudos secundários - cursos fundamental e pré-jurídico - ingressando, aos 22 anos de idade, na secular Faculdade de Direito do Recife. Fez esta "opção" por ser a que se oferecia dentro da área de ciências humanas. Na época, não havia em Pernambuco curso superior de formação de educador .

 



Antes de ter concluído seus estudos universitários, casou-se, em 1944, com a professora primária Elza Maia Costa Oliveira, com quem teve cinco filhos: Maria Madalena, Maria Cristina, Maria de Fátima, Joaquim e Lutgardes. Ainda nesse tempo, tornou-se professor de língua portuguesa do Colégio Oswaldo Cruz, educandário que o tinha acolhido na adolescência.

É interessante lembrar que foi este trabalho de professor de Português, mais seu corpo franzino que o pouparam de ir lutar com a F.E.B. nos campos da Itália, quando da II Grande Guerra.

Após a experiência de docência no mesmo estabelecimento de ensino em que havia estudado, foi ser diretor do setor de Educação e Cultura do Sesi, órgão recém-criado pela Confederação Nacional da Indústria através de um acordo com o governo Vargas. Aí teve contato com a educação de adultos/trabalhadores e sentiu o quanto eles e a nação precisavam enfrentar a questão da educação e mais particularmente, da alfabetização. Freire ocupou o cargo de Diretor desse setor do Sesi de 1947 a 1954 e foi Superintendente do mesmo de 1954 a 1957.

Ao lado de outros educadores e pessoas interessadas na educação escolarizada, sob a liderança de Raquel Castro, fundou nos anos cinqüenta o Instituto Capibaribe. Instituição de ensino privado conhecida até hoje em Recife pelo seu alto nível de ensino e de formação científica, ética e moral voltada para a consciência democrática.

Em 9 de agosto de 1956, o prefeito progressista Pelópidas Silveira, usando de atribuições a ele concedidas pelo Decreto nº. 1555, de 09.08.1956, nomeou Paulo Freire, ao lado de mais oito notáveis educadores pernambucanos, membro do Conselho Consultivo de Educação do Recife. Alguns anos depois, foi designado para o cargo de Diretor da Divisão de Cultura e Recreação do Departamento de Documentação e Cultura da Prefeitura Municipal do Recife, conforme atestado assinado por Germano Coelho, em 14 de julho de 1961.

Teve suas primeiras experiências como professor de nível superior lecionando Filosofia da Educação na Escola de Serviço Social a qual, posteriormente, foi incorporada à então Universidade do Recife.

Em fins de 1959, prestou concurso e obteve o título de Doutor em Filosofia e História da Educação, defendendo a tese "Educação e atualidade brasileira". Esta titularidade assegurou-lhe, através da Portaria nº. 30 de 30 de novembro de 1960, assinada pelo Reitor João Alfredo da Costa Lima, a nomeação de professor efetivo (nível 17) de Filosofia e História da Educação da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da Universidade do Recife, tendo tomado posse em 2 de janeiro de 1961.

No ano seguinte, pela Portaria nº. 37, de 14 de agosto de 1961, assinada pelo mesmo reitor, foi-lhe também conferido o certificado de Livre Docente da cadeira de História e Filosofia da Educação da Escola de Belas Artes, uma vez que o concurso tinha lhe dado, por força da lei vigente, além do título de doutor, o de Livre Docente. Freire tomou posse nesta função em 23 de abril de 1962, diante da Congregação da escola, conforme convite anteriormente distribuído pela Secretaria da mesma, datado de 18 de abril de 1962.

Paulo Freire foi também um dos "Conselheiros Pioneiros" do Conselho Estadual de Educação de Pernambuco. "Conselheiros Pioneiros", conforme demonstram os registros nos arquivos, foi a expressão com a qual os próprios integrantes se autodenominaram. Esses primeiros conselheiros, em número de quinze, foram escolhidos pelo governador Miguel Arraes, de acordo com a lei, dentre as "pessoas de notório saber e experiência em matéria de educação e cultura" do Estado pernambucano. Eles tomaram posse em novembro de 1963 e, conforme lei estadual preconizada pelo artigo nº. 10 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional nº. 4024/61, foram responsáveis pela elaboração do Primeiro Regimento do Conselho o qual foi aprovado pelo mesmo governador que os escolheu através do Decreto nº. 928, de 03 de março de 1964, publicado no Diário Oficial, em 06 de março subseqüente.

No dia 31 de março de 1964, quando o cerco golpista já se avizinhava, treze deles renunciaram coletivamente a seus mandatos. Paulo Freire, que se encontrava em Brasília ativamente envolvido com os trabalhos do Programa Nacional de Alfabetização e, por isso, não pôde assinar o pedido de exoneração coletiva, foi destituído de suas funções de Conselheiro pelo Decreto nº. 942, de 20 de abril de 1964, assinado pelo Vice-Governador Paulo Guerra porque o Governador Miguel Arraes já estava preso pelas novas forças que tomaram o poder.

Foi como Relator da Comissão Regional de Pernambuco e autor do relatório intitulado "A Educação de Adultos e as Populações Marginais: O Problema dos Mocambos", apresentado no II Congresso Nacional de Educação de Adultos em julho de 1958, no Rio de Janeiro, que Paulo Freire firmou-se como educador progressista. Com uma linguagem muito peculiar e com uma filosofia da educação absolutamente renovadora, ele propunha, no relatório, que a educação de adultos das Zonas dos Mocambos existentes no Estado de Pernambuco teria que se fundamentar na consciência da realidade da cotidianidade vivida pelos alfabetizandos para jamais reduzir-se num simples conhecer de letras, palavras e frases. Afirmava também que só se faria um trabalho educativo para a democracia se o processo de alfabetização de adultos não fosse sobre - verticalmente - ou para - assistencialmente - o homem, mas com o homem (nos anos 50 e até após a publicação , no início dos anos setenta nos Estados Unidos, da Pedagogia do oprimido, Freire não nominava mulheres, entendendo, erroneamente, que, ao dizer homem, incluía a mulher), com os educandos e com a realidade. Propôs uma educação de adultos que estimulasse a colaboração, a decisão, a participação e a responsabilidade social e política. Freire, atento à categoria do saber que é apreendido existencialmente, pelo conhecimento vivo de seus problemas e os de sua comunidade local, já explicitava o seu respeito ao conhecimento popular, ao senso comum.

Paulo falava em educação social, falava na necessidade de o aluno, além de se conhecer, conhecer também os problemas sociais que o afligiam. Ele não via a educação simplesmente como meio para dominar os padrões acadêmicos de escolarização ou para profissionalizar-se. Falava da necessidade de se estimular o povo a participar do seu processo de emersão na vida pública engajando-se no todo social.

Acrescentava o relator que aos próprios educandos caberia, em parte, programar seus conteúdos de estudos e que se deveria estimular o trabalho pedagógico nos mocambos para que a mulher superasse suas condições de miséria mudando a natureza de suas próprias práticas domésticas.

A realização do II Congresso Nacional de Educação se deu entre 06 e 16 de julho de 1958, ano em que Juscelino Kubitscheck se afirmava enquanto força no poder e se mostrava preocupado com as misérias de nosso povo. Queria e precisava dar soluções para os problemas sociais, entre eles o educacional. Tentou resolve-los dentro dos marcos do populismo, a ideologia privilegiada de então. Mas as idéias, o discurso e a prática de Freire já se faziam por um caminho autenticamente popular.

Os anseios da sociedade política vinham ao encontro dos de uma parte da sociedade civil dos anos 50, alimentando um clima propício para a mobilização, para as reflexões e para as pretensões de mudanças sociais e políticas. Freire, assim, traduziu as necessidades de seu tempo e nelas se engajou.

Este segmento mais progressista da sociedade civil brasileira - composto por operários, campesinato, estudantes, professores universitários, intelectuais e clero católico - do qual Freire fazia parte estava inclinado não a acomodar-se, mas a romper com as tradições arcaicas, autoritárias, discriminatórias, elitistas e interditadoras, secularmente vigentes no Brasil.

Enquanto muitos representantes da sociedade política hegemônica da época pensavam e tentavam equacionar soluções para o desenvolvimento econômico, alguns da sociedade civil se indignavam com a pobreza, as injustiças sociais e o generalizado analfabetismo de nosso povo. Freire foi um destes e assim foi se tornando, desde aquele período, o pedagogo da indignação.

Sua pedagogia continha a percepção clara da cotidianidade discriminatória da nossa sociedade até então preponderantemente patriarcal e elitista. Apontava soluções de superação das condições vigentes, avançadas para a época, dentro de uma concepção mais ampla e mais progressista: a da educação como ato político. Tudo isto era novo no Brasil que ainda reproduzia, impiedosa e secularmente, a interdição dos corpos dos desvalorizados socialmente, que, assim viviam proibidos de ser, ter, saber e poder.

Esta natureza política da educação, antes mesmo que sua especificidade pedagógica, técnica e didática, tem sido o cerne da preocupação freireana tanto em suas reflexões teóricas quanto na sua práxis educativa.

Freire forjava-se, pela práxis vivida, como pedagogo do oprimido - mesmo sem ter ainda escrito a Pedagogia do oprimido - porque partia do saber popular, da linguagem popular, da necessidade popular, respeitando o concreto deles, o cotidiano de limitações deles. Além disso, não ficando no ponto de partida, apresentava uma proposta de superação deste mundo de submissão, de silêncio e de misérias, apontando para um mundo de possibilidades.

Com todas essas inovações, o Relatório apresentado no II Congresso de Educação de Adultos tornou-se, indubitavelmente, um marco na compreensão pedagógica da época, um divisor de águas entre uma educação neutra, alienante e universalizante e uma essencialmente radicada no cotidiano político-existencial dos alfabetizandos e das alfabetizandas, não se reduzindo a ele, obviamente.

2. O "Método Paulo Freire"

Creio que é preciso, mesmo que numa biografia, fazer algumas considerações sobre o "Método Paulo Freire" uma vez que ele é ainda muito utilizado, com algumas adaptações, nos dias de hoje em todo o mundo, e quase sempre ao falar-se de Freire e alfabetização, a compreensão desta é reduzida a puro conjunto de técnicas ligadas à aprendizagem da leitura e da escrita. É preciso deixar este ponto mais claro para, sobretudo, quem se inicia em Freire.

O "convite" de Freire ao alfabetizando adulto é, inicialmente, para que ele se veja enquanto homem ou mulher vivendo e produzindo em determinada sociedade. Convida o analfabeto a sair da apatia e do conformismo de "demitido da vida" em que quase sempre se encontra e desafia-o a compreender que ele próprio é também um fazedor de cultura, fazendo-o apreender o conceito antropológico de cultura. O "ser-menos" das camadas populares é trabalhado para não ser entendido como desígnio divino ou sina, mas como determinação do contexto econômico-político-ideológico da sociedade em que vivem.

Quando o homem e a mulher se percebem como fazedores de cultura, está vencido, ou quase vencido, o primeiro passo para sentirem a importância, a necessidade e a possibilidade de se apropriarem da leitura e da escrita. Estão alfabetizando-se, politicamente falando.

Os participantes do "círculo de cultura", em diálogo sobre o objeto a ser conhecido e sobre a representação da realidade a ser decodificada, respondem às questões provocadas pelo coordenador do grupo, aprofundando suas leituras do mundo. O debate que surge daí possibilita uma re-leitura da realidade de que pode resultar o engajamento do alfabetizando em práticas políticas com vista à transformação da sociedade.

Quê? Por quê? Como? Para quê? Por quem? Para quem? Contra quê? Contra quem? A favor de quem? A favor de quê? - são perguntas que provocam os alfabetizandos em torno da substantividade das coisas, da razão de ser delas, de suas finalidades, do modo como se fazem, etc.

As atividades de alfabetização exigem a pesquisa do que Freire chama "universo vocabular mínimo" entre os alfabetizandos. É trabalhando este universo que se escolhem as palavras que farão parte do programa. Estas palavras , mais ou menos dezessete, chamadas "palavras geradoras", devem ser palavras de grande riqueza fonêmica e colocadas, necessariamente, em ordem crescente das menores para as maiores dificuldades fonéticas, lidas dentro do contexto mais amplo da vida dos alfabetizandos e da linguagem local, que por isso mesmo é também nacional.

A decodificação da palavra escrita, que vem em seguida à decodificação da situação existencial codificada, compreende alguns passos que devem, rigorosamente se suceder.

Tomemos a palavra TIJOLO, usada como a primeira palavra em Brasília, nos anos 60, escolhida por ser uma cidade em construção, para facilitar o entendimento do(a) leitor (a).

1º.) Apresenta-se a palavra geradora "tijolo" inserida na representação de uma situação concreta: homens trabalhando numa construção;

2º.) Escreve-se simplesmente a palavra
TIJOLO

3º.) Escreve-se a mesma palavra com as sílabas separadas:
TI - JO - LO

4º.) Apresenta-se a "família fonêmica" da primeira sílaba:
TA - TE - TI - TO - TU

5º.) Apresenta-se a "família fonêmica" da segunda sílaba:
JA - JE - JI - JO - JU

6º.) Apresenta-se a "família fonêmica" da terceira sílaba :
LA - LE - LI - LO - LU

7º.) Apresentam-se as "famílias fonêmicas" da palavra que está sendo decodificada:

TA - TE - TI - TO - TU
JA - JE - JI - JO - JU
LA - LE - LI - LO - LU

Este conjunto das "famílias fonêmicas" da palavra geradora foi denominado de "ficha de descoberta" pois ele propicia ao alfabetizando juntar os "pedaços", isto é, fazer dessas sílabas novas combinações fonêmicas que necessariamente devem formar palavras da língua portuguesa.

8º.) Apresentam-se as vogais :
A - E - I - O - U .

Em síntese, no momento em que o(a) alfabetizando(a) consegue, articulando as sílabas, formar palavras, ele ou ela, está alfabetizado (a). O processo requer, evidentemente, aprofundamento, ou seja, a pós-alfabetização.

A eficácia e validade do "Método" consistem em partir da realidade do alfabetizando, do que ele já conhece, do valor pragmático das coisas e fatos de sua vida cotidiana, de suas situações existenciais. Respeitando o senso comum e dele partindo, Freire propõe a sua superação.

O "Método" obedece às normas metodológicas e lingüísticas, mas vai além delas, porque desafia o homem e a mulher que se alfabetizam a se apropriarem do código escrito e a se politizarem, tendo uma visão de totalidade da linguagem e do mundo.

O "Método" nega a mera repetição alienada e alienante de frases, palavras e sílabas, ao propor aos alfabetizandos "ler o mundo" e "ler a palavra", leituras, aliás, como enfatiza Freire, indissociáveis. Daí ter vindo se posicionando contra as cartilhas.

Em suma, o trabalho de Paulo Freire é mais do que um método que alfabetiza, é uma ampla e profunda compreensão da educação que tem como cerne de suas preocupações a sua natureza política.

Concluiria esta abordagem sobre o "Método Paulo Freire" dizendo que a alfabetização do povo brasileiro - porque quando o criou jamais pensava que ele se expandiria pelo mundo - era então, no bom sentido da palavra uma tática educativa para atingir a estratégia necessária: a politização do povo brasileiro. Nesse sentido, é revolucionário porque ele pode tirar da situação de submissão, de imersão e de passividade aqueles e aquelas que ainda não conhecem a palavra escrita. A revolução pensada por Freire não pressupõe uma inversão nos pólos oprimido-opressor, antes, pretende re-inventar, em comunhão, uma sociedade onde não haja a exploração e a verticalidade do mando, onde não haja a exclusão ou a interdição da leitura do mundo aos segmentos desprivilegiados da sociedade.

Paulo Freire esteve no exílio por quase dezesseis anos, exatamente porque compreendeu a educação desta maneira e lutou para que um grande número de brasileiros e brasileiras tivesse acesso a esse bem a eles negado secularmente: o ato de ler a palavra lendo o mundo.

3. O educador popular, exílio e retorno

Paulo Freire, extrapolando a área acadêmica e institucional, engajou-se também nos movimentos de educação popular do início dos anos sessenta. Foi um dos fundadores do Movimento de Cultura Popular (M.C.P.) do Recife, e nele trabalhou, ao lado de outros intelectuais e do povo, no sentido de, através da valorização da cultura popular, contribuir para a presença participativa das massas populares na sociedade brasileira.

Este primeiro Movimento de Cultura Popular do Brasil marcou profundamente a formação profissional, política e afetiva do educador pernambucano.

Por suas concepções de educador popular progressista, influenciou a campanha "De Pé no Chão Também se Aprende a Ler", realizada com sucesso pelo então governo popular do Prefeito Djalma Maranhão, de Natal, Rio Grande do Norte.

Ao organizar e dirigir a campanha de alfabetização de Angicos, também no Rio Grande do Norte, Freire ficou mais conhecido nacionalmente como educador voltado para as questões do povo. Logo depois, foi para Brasília a convite do recém-empossado Ministro da Educação Paulo de Tarso Santos, do governo Goulart, para realizar uma campanha nacional de alfabetização.

Nasceu assim, sob sua coordenação, o Programa Nacional de Alfabetização, que pelo "Método Paulo Freire" tencionava alfabetizar, politizando, 5 milhões de adultos. Estes poderiam, pela lei vigente da época, fazer parte, em futuro próximo, do ainda restrito colégio eleitoral brasileiro do início dos anos sessenta. Tinham votado na recente eleição presidencial, na qual saíram vencedores o Sr. Jânio da Silva Quadros e João Belchior Goulart, apenas pouco mais de 11 milhões e seiscentos mil eleitores.

No seu processo de alfabetização, estes novos eleitores, provenientes das camadas populares, seriam desafiados a perceber as injustiças que os oprimiam e a necessidade de lutar por mudanças. As classes dominantes identificaram a ameaça e, obviamente, colocaram-se contra o Programa, que, oficializado em 21 de janeiro de 1964, pelo Decreto nº 53.465, foi extinto pelo governo militar em 14 de abril do mesmo ano através do decreto nº. 53.886.




Por duas vezes em Recife, Paulo Freire foi obrigado a vir ao Rio de Janeiro responder a inquérito policial-militar. Sentindo-se ameaçado, asilou-se na embaixada da Bolívia e partiu para aquele país em setembro de 1964, com apenas 43 anos de idade, levando consigo o "pecado" de ter amado demais o seu povo e se empenhado em politizá-lo para que sofresse menos e participasse mais das decisões. Queria contribuir na construção da consciência dos oprimidos e na busca pela superação de sua secular interdição na sociedade. Jamais falou ou foi adepto da violência ou da tomada do poder pela força das armas. Esteve desde jovem a refletir sobre a educação e a se engajar nas ações políticas mediadas pela prática educacional que pode ser transformadora. Lutou e vem lutando sem descanso por uma sociedade mais justa e menos perversa, como gosta de dizer, por uma sociedade realmente democrática, na qual não haja repressores contra oprimidos, na qual todos possam ter voz e vez.

Tendo partido de São Paulo, sob a guarda e proteção do próprio Embaixador da Bolívia, para esse país vizinho, que o acolheu generosamente, sentiu em La Paz sua saúde abalada devido à localização alta desta cidade que fica no cume das montanhas dos Andes. Mas foi o Golpe de Estado na Bolívia, ocorrido pouco tempo depois de sua chegada, que o levou ao Chile. Em Santiago, ao lado de sua família, iniciou, como tantos outros brasileiros que no Chile tiveram asilo político, uma nova etapa de sua vida e de sua obra. Neste país viveu de novembro de 1964 a abril de 1969, trabalhando como assessor do Instituto de Desarollo Agropecuário e do Ministério da Educação do Chile e como consultor da UNESCO junto ao Instituto de Capacitación e Investigación en Reforma Agrária do Chile. Nessa ocasião foi convidado também para lecionar nos Estados Unidos e trabalhar no Conselho Mundial das Igrejas. Atendeu aos dois convites.

De abril de 1969 a fevereiro de 1970 morou em Cambridge, Massachussetts, dando aulas sobre suas próprias reflexões na Universidade de Harvard, como Professor Convidado. Em seguida, mudou-se para Genebra para ser Consultor Especial do Departamento de Educação do Conselho Mundial de Igrejas.

À serviço do Conselho, "andarilhou", como gosta de dizer, pela África, pela Ásia, pela Oceania e pela América, com exceção do Brasil - para sua tristeza -, ajudava, principalmente, os países que tinham conquistado sua independência política a sistematizarem seus planos de educação. Cabo Verde, Angola e sobretudo Guiné-Bissau o conheceram por este seu trabalho quando se empenhavam nos anos 60 para livrarem-se das garras do colonialismo, para extirpar os resquícios do opressor que tinha feito de muitos dos corpos negros africanos cabeças brancas de portugueses de além-mar. Esses povos queriam e precisavam se libertar da "consciência hospedeira da opressão" para se tornarem cidadãos de seus países e do mundo. Freire os assistiu nesta difícil tarefa.

Na Suíça, Paulo Freire foi também professor da Universidade de Genebra, levando aos alunos da Faculdade de Educação suas idéias e reflexões.







Ganha seu primeiro passaporte brasileiro em junho de 1979 e, em agosto do mesmo ano, sob o clima da anistia política, chega ao Brasil pelo Aeroporto de Viracopos, SP, onde foi recebido, calorosamente, por parentes, amigos e admiradores para, conforme afirmou à imprensa brasileira naquele momento, "re-aprender meu país".

Aceitou ser professor da PUC-SP. Retornou à Europa e organizou sua volta definitiva ao Brasil. Abriu mão dos direitos concedidos pelo governo suíço para lá residir e poder viajar pelo mundo com credenciais que lhe davam garantias pessoais.

Voltou de fato em junho de 1980 para se integrar e se entregar definitivamente ao seu país e ao seu povo. Mas condições políticas ainda difíceis o impediram de voltar, como tanto sonhou no exílio, à sua tão querida e decantada Recife. Veio para São Paulo que lhe abriu as portas como se ele fosse um filho seu que voltasse. Devido à possibilidade aberta pela Lei de Anistia e pelo espírito democrático da reitoria da PUC, pôde ficar para trabalhar, amar e criar em seu próprio país.

Paulo Freire teve que recomeçar, mais uma vez, tudo do princípio pois, para a reintegração aos antigos cargos, a Lei de Anistia exigia que o ex-exilado requeresse ao governo o estudo de seu caso. Por considerá-la ofensiva, recusou-se a aceitar tal exigência, tanto no caso da docência, como no de técnico da Universidade Federal de Pernambuco como tinha passado a denominar-se a antiga Universidade do Recife.

Assim pensando e agindo, recomeçou, mais uma vez, tudo do princípio porque o 1º. de abril de 1964 o tinha demitido, sumariamente, do cargo de diretor do Serviço de Extensão Cultural (SEC) da Universidade do Recife. Ele, que tinha sido um dos fundadores e que tão entusiástica e coerentemente o dirigia, não foi poupado pelas forças da direita. Foi no SEC da Universidade do Recife que ele teve a possibilidade de sistematizar o "Método Paulo Freire" e prestar outros serviços relevantes à população local com a Rádio Educativa da Universidade, esta também por ele idealizada. O golpe militar ainda o tinha aposentado das funções de professor da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da mesma Universidade, em 08 de outubro de 1964, por Decreto publicado no dia 09 subseqüente.

Em setembro de 1980, após pressões dos estudantes e de alguns professores, tornou-se professor da Universidade de Campinas - UNICAMP, onde lecionou até o final do ano letivo de 1990.

A reitoria da UNICAMP pediu ao Conselho Diretor, na pessoa do Professor Titular Rubem Alves um "Parecer sobre Paulo Freire". O pedido pareceu um absurdo e fez lembrar as perseguições que Freire sofreu durante os anos de exílio. Antes, eram passaportes negados, agora eram pareceres. Antes, "coisas da ditadura", era o repúdio do presidente do MOBRAL e sua comitiva em Persépolis, Irã, em 1975, que obedientes às ordens do governo militar de Brasília se ausentaram para não presenciar a entrega do prêmio internacional da UNESCO que estava sendo conferido ao educador brasileiro; agora, "coisas do entulho autoritário", na exigência da "legitimidade" de torná-lo Professor Titular.

As palavras de Rubem Alves, um dos intelectuais mais famosos e respeitados do país, dizem mais:

Este parecer datado de 25 de maio de 1985, escrito por Rubem Alves, Professor Titular II, está protocolado sob nº. 4838/80, nos registros administrativos da Universidade Estadual de Campinas. Coisas da burocracia estatal paulista que esperou cinco anos para outorgar-lhe a titularidade, justamente a um educador que, além de estar dando sistematicamente suas aulas semanais na Faculdade de Educação da própria Universidade, nos cursos de graduação e nos de pós-graduação, era famoso em todo o mundo há muito mais do que cinco anos, como sabemos e o parecer evidencia.

Paulo Freire vem permanecendo na categoria de professor aposentado da Universidade Federal de Pernambuco desde 1964, cargo que, diante das condições que lhe foram impostas, representa para ele um momento maior do que a saudade dos tempos da comunicação do saber construído, do saber criando-se e da amorosiade na relação com seus alunos. Ele o tem como uma de suas maiores honras.

Quanto ao cargo de Técnico em Educação no Serviço de Extensão Cultural que tão entusiasticamente ocupou, criando aí, entre outras coisas, a rádio educativa, mantida até hoje pela Universidade Federal de Pernambuco, teve recentemente, o reconhecimento de seus direitos pelo Ministério da Educação. Assim, foi reincorporado neste cargo aos quadros da Universidade, mas como reside em São Paulo, foi em seguida aposentado com tempo parcial de trabalho, em março de 1991.

Na ocasião, escreveu ao Ministro agradecendo, em seu nome e no de sua família, o reconhecimento do governo "por ato de sana injustiça há tanto tempo praticada".

Por causa disto, pediu demissão do cargo de professor da UNICAMP, pois a Constituição Brasileira de 1988 proíbe a acumulação de mais de dois cargos públicos e/ou suas aposentadorias. Na sua carta de demissão ao reitor, lamentou seu afastamento da UNICAMP no início do ano letivo de 1991, quer pela luta estudantil e dos professores para sua admissão quer pelas condições internas de alto nível dos trabalhos ali realizados desde sua criação pelo Professor Zeferino Vaz.

Com a morte de sua primeira esposa, em outubro de 1986, Freire abateu-se até quando, optando pela vida, casa-se novamente, em 27 de março de 1988, no Recife, com a autora desta biografia. Depois de termos sido amigos na infância, pudemos nos reencontrar no curso de mestrado da Pontifícia Universidade Católica. Eu era aluna-orientanda e ele professor-orientador. Ambos viúvos. Nossa relação ganhou novo significado. Sentimos que, ao carinho de amigos, somaram-se a paixão e o amor. Casamo-nos.

Comigo, Nita - nome carinhoso com que me chama -, pôde iniciar nova etapa de sua vida, inclusive aceitando novos desafios como homem público. Em 1º de janeiro de 1989 foi empossado como Secretário da Educação do Município de São Paulo, justamente porque o Partido dos Trabalhadores, partido do qual é um dos fundadores, chegou ao poder com a eleição de Luiza Erundina de Souza para Prefeita de São Paulo.

Na gestão altamente democrática de Freire, ele deu provas de que os trabalhos em colegiados e o entendimento mútuo levam à responsabilidade coletiva e à reinvenção do ato de educar com mais eficiência e adequação.

Suas decisões políticas, nascidas de sua própria teoria e de suas práticas de educador pelo mundo - não seria exagero dizer do mundo - como também nascidas da práxis educativa das pessoas da equipe técnica que o assessorou, as quais traduziam a vontade e a necessidade das comunidades, marcaram, indelevelmente, a educação da rede de ensino do município de São Paulo.

Assim, "seu" trabalho foi profícuo "mudando a cara da escola", como costuma dizer. Reformou as escolas entregando-as às comunidades locais dotadas de todas as condições para o pleno exercício das atividades pedagógicas. Reformulou o currículo escolar para adequá-lo também às crianças das classes populares e procurou capacitar melhor o professorado em regime de formação permanente. Não esqueceu de incluir o pessoal instrumental da escola como agente educativo formando-o para desempenhar adequadamente tal tarefa. Eram os vigias, as merendeiras, as faxineiras, os (as) secretários (as) que, ao lado de diretores (as) , professores (as), alunos (as), e pais de alunos, faziam do ato de educar um ato de conhecimento, elaborado em cooperação a partir das necessidades socialmente sentidas.

Afastou-se do cargo de secretário Municipal de Educação de São Paulo, mas continuou membro de seu Colegiado até fins de 1992. Saiu do serviço público paulistano "para ser devolvido ao mundo", como disse Luiza Erundina, na grande festa da despedida dele no Teatro Municipal de São Paulo.

Assim, desde 27 de maio de 1991, vem se dedicando a outras atividades. Com grande paixão, voltou a escrever. E não com menos prazer, voltou também à docência na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP - no Programa de Supervisão e Currículo do curso de pós-graduação. O Programa, inovando o ato de ensinar-aprender, leva para a sala de aula três de seus professores que, conjuntamente com os (as) alunos (as), dialogam em torno dos temas das dissertações e teses deles ou delas ou ainda em torno de algum objeto do conhecimento necessário a um curso de formação de educadores. Paulo Freire é um desses professores.

Desde 1987, Freire tem sido um dos membros do Júri Internacional da UNESCO que, a cada ano, se reúne no verão de Paris para escolher os melhores projetos e experiências de alfabetização dos cinco continentes cujos prêmios são outorgados e entregues em cada 08 de setembro, Dia Internacional da Alfabetização.

No 2º. Semestre letivo de 1991, Paulo foi professor convidado da USP, a mais antiga e uma das mais famosas universidades do país, para desenvolver um trabalho amplo proferindo palestras nas Faculdades, gravando vídeos e discutindo projetos novos e pioneiros da Universidade.

4. Repercussão da obra de Paulo Freire

Em relação à obra de Paulo Freire, publicada em quase todo o mundo, ela é composta de inúmeros livros, uns exclusivamente seus, outros "falados" em parceria com outros educadores; ensaios e artigos em revistas especializadas; entrevistas a pessoas que escreveram sobre ele, a rádios, a TVs, a jornais e a revistas diversas; conferências proferidas; orientação de teses; seminários e debates em universidades de todo o mundo e prefácios em obras de outros autores.

A Pedagogia do oprimido, que é sem dúvida sua obra mais importante, foi traduzida e vem sendo publicada em mais de vinte idiomas. Isto prova a atualidade de seu pensamento neste fim de século, pois o problema da libertação dos oprimidos, principalmente com a arrancada neoliberal, continua se apresentando como o maior desafio dos homens e das mulheres que constroem o seu tempo e o seu espaço histórico.

Sua obra teórica, reflexão sobre sua prática, tem servido para fundamento teórico de trabalhos acadêmicos e inspirado práticas em diversas partes do mundo, desde os mocambos do Recife às comunidades barakumins do Japão, passando pelas mais consagradas instituições educacionais do Brasil e do exterior.

Tal influência abrange as mais diversas áreas do saber: a pedagogia, filosofia, teologia, antropologia, serviço social, ecologia, medicina, psicoterapia, psicologia, museologia, história, jornalismo, artes plásticas, teatro, música, educação física, sociologia, pesquisa participante, metodologia do ensino de ciências e letras, ciência política, currículo escolar e a política de educação dos meninos e meninas de rua.

Hoje, infelizmente, é impossível elencar todas as citações à obra de Paulo Freire espalhadas pelo mundo, por isso recebe convites dos mais diversos países para proferir conferências, coordernar seminários, compor júris, orientar ou examinar dissertações e teses, escrever prefácios de livros ou artigos de revistas, dar entrevistas e endossar manifestos educativos ou políticos ou, simplesmente, para receber homenagens.

Temos notícias de que várias instituições adotaram o nome de Paulo Freire: estabelecimentos escolares nas cidades de São Paulo - SP; Niterói - RJ; Olinda - PE; Jundiaí - SP; Pimenta Bueno - RO; Angicos - RN; e Itaguaí - RJ; no Brasil; Arequipe, no Peru; na cidade do México, no país de mesmo nome; Cochabamba, na Bolívia e Málaga e Granada na Espanha. Uma organização da Holanda, fundada nos anos oitenta para orientar e beneficiar camponeses da Nicarágua, também tomou o nome de Paulo Freire, por ter, como princípio, o pensamento freireano. Diretórios Acadêmicos das Faculdades de Educação da USP, da Universidade Federal do Ceará, da Universidade de Mogi das Cruzes e da Universidade de Ijuí (Unijuí) Campus de Santa Rosa também levam seu nome.

Em 09 de novembro de 1994, Paulo Freire recebeu em Washington DC o Prêmio instituído pelo Internacional Consortium for Experimental Learning que leva o seu próprio nome. O prêmio que contempla, a cada ano, um renomado educador, o homenageia por suas contribuições para a teoria e a prática do ato de aprender-ensinar.

Freire é cidadão honorário das seguintes cidades no Brasil: Rio de Janeiro, desde 06.10.1983; São Paulo, desde 30.04.1986; São Bernardo do Campo, desde 13.04.1987; Campinas, desde 28.04.1987; Belo Horizonte, desde 27.10.1989; Itabuna, desde 13.04.1992, Porto Alegre; desde 26.05.1992; Angicos, desde 28.08.1993 e Uberaba, desde 17.11.1995.

Foi homenageado com o "Reconhecimento Fraterno" da cidade de Los Angeles nos USA em 13.03.1986 e de Cochabamba, Bolívia em 29.05.1987. É nome de rua em Itabuna, Bahia, pela Lei nº. 1400, assinada pelo Prefeito Ubaldo Dantas em 23 de dezembro de 1987, que diz, entre outras coisas: "Art. 19 - Fica denominada de Paulo Freire a rua que começa no Posto Timbaúba, na Av. Ibicaraí, e sai até a rua conhecida por Quadra "A" ".

Recebeu também o reconhecimento público pela sua práxis educativa através das seguintes homenagens, entre outras: Ordem do Mérito da Marim dos Caetés, de Olinda, em agosto de 1979; Prêmio "William Rainey Harper" da The Religious Education Association of the U.S. and Canadá, Califórnia, USA, em 20 de novembro de 1985 (concedido juntamente a Elza Freire); "Prêmio Estácio de Sá" do Governo do Estado do Rio de Janeiro, em fevereiro de 1985; título de Comendador da "Ordem Nacional do Mérito Educativo" do Ministério da Educação e Cultura do Brasil, em 13 de junho de 1987; Prêmio "Mestre da Paz" da Asociación de Investigación y Especialización sobre Temas Iberoamericanos, A.I.E.T.I., da Espanha, em janeiro de 1988, "Prêmio Frei Tito de Alencar" da Prefeitura de Fortaleza, em 25 de março de 1988; "Medalha do Mérito Cidade do Recife - Classe Ouro", em 28 de março de 1988; prêmio "Manchete de Educação", dos anos de 1989 e 1990; "Diploma do Mérito Internacional" - mais especialmente pelo livro "A importância do Ato de Ler", da International Reading Association, Estocolmo, Suécia, em julho de 1990; reconhecimento do Serviço Universitário Mundial, em 22 de outubro de 1990, em São Paulo; título de "Educador do Ano" concedido pela Câmara Municipal de Vereadores de Mogi das Cruzes, S.P. em 26 de outubro de 1990; medalha "Libertador da Humanidade", outorgada em 27 de abril de 1993 pela Assembléia Legislativa da Bahia; medalha concedida durante a Conferência Internacional de Educação para o Futuro, em São Paulo, em 04 de outubro de 1993; título de Grão-Mestre da "Ordem Nacional do Mérito Educativo" do Ministério da Educação e Cultura do Brasil, em 11 de novembro de 1993; medalha "Jam Amos Comenius" do governo da República Tcheca, em Genebra, Suíça em outubro de 1994, medalha "Paulo Freire" - a educação da paz, liberdade, alfabetização, conscientização do "Primeiro Congresso de Formação e Cooperação entre países lusófanos", em setembro de 1995, Faro, Portugal; medalha "Pedro Ernesto" da Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro, RJ, Brasil, em 06 de novembro de 1995, além do já mencionado "The Paulo Freire Awards" da International Consortium Experimental Learning, em 09 de novembro de 1994, em Washington D.C., USA.




Freire foi também contemplado por seus trabalhos na área educacional com os seguintes prêmios: "Prêmio Mohammad Reza Pahlevi" do Irã, pela UNESCO, do ano de 1975, em Persépolis, Irã; "Prêmio Rei Balduíno para o Desenvolvimento", da Bélgica, do ano de 1980, em 15.11.1980, em Bruxelas; "Prêmio UNESCO da Educação para a Paz", da UNESCO, do ano de 1986, em Paris, em setembro de 1986; "Prêmio Andres Bello" da Organização dos Estados Americanos - OEA - como Educador do Continente de 1992, em 17.11.1992, em Washington D.C., USA; "Prêmio Moinho Santista" da Fundação Moinho Santista, em São Paulo, Brasil, em 29.09.95; além do já mencionado "The Paulo Freire Awards", da International Consortium Experiental Learning, em 09 de novembro de 1994, em Washington D.C., USA.




Três instituições educativas criaram com o nome de Paulo Freire, uma cátedra, em Highlander Center, no Tennesse, nos Estados Unidos, em fevereiro de 1990; a Universidade de Glascow, Escócia, uma bolsa de pesquisa para alunos de Pós-Graduação, em 1994 e uma Biblioteca Popular em Campinas, no Brasil.

A Paulo Freire foi outorgado o título de "Doutor Honoris Causa" pelas seguintes instituições: Universidade Aberta de Londres, Inglaterra, em junho de 1973; Universidade Católica de Louvain, Bélgica, em fevereiro de 1975; Universidade de Michigan - Ann Arbor, USA, em 29 de abril de 1978; Universidade de Genebra, Suíça, em 06 de junho de 1979; New Hamphire College, USA, em 29 de julho de 1986; Universidade de San Simon, Cochabamba, Bolívia, em 29 de março de 1987; Universidade de Santa Maria, Brasil, em 08 de maio de 1987; Universidade de Barcelona, Espanha, em 02 de fevereiro de 1988; Universidade Estadual de Campinas, Brasil, em 27 de abril de 1988; Pontifícia Universidade Católica de Campinas, Brasil, em 27 de setembro de 1988; Universidade Federal de Goiás, Brasil, em 11 de novembro de 1988; Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, Brasil, em 23 de novembro de 1988; Universidade de Bolonha, Itália, em 23 de janeiro de 1989; Universidade de Claremont, USA, em 13 de maio de 1989; Instituto Piaget, Portugal, em 11 de novembro de 1989; Universidade de Massachussetts, Amherst, USA, 26 de maio de 1990; Universidade Federal do Pará, Brasil, em 15 de novembro de 1991; Universidade Complutense de Madri, Espanha, em 16 de dezembro de 1991; Universidade de Mons-Hainaut, Bélgica, em 20 de março de 1992; Wheelock College, Boston, USA, em 15 de maio de 1992; Universidade de El Salvador, El Salvador, em 03 de julho de 1992; Fielding Institute, Santa Barbara, USA, em 06 de fevereiro de 1993; Universidade Federal do Rio de Janeiro, Brasil, em 30 de abril de 1993; University of Illinois, Chicago, USA, em 09 de maio de 1993; Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Brasil, em 20 de outubro de 1994, Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Brasil, em 06 de dezembro de 1994; Universidade de Estocolmo, Suécia, em 29 de setembro de 1995, (entregue na PUC-SP em São Paulo, em 17.10.1995) e Universidade Federal de Alagoas, Brasil, em 25 de janeiro de 1996.




Recebeu título de "Professor Emérito" da Universidade Federal de Pernambuco, Brasil, em 13 de dezembro de 1984 e da Fundação das Escolas Unidas do Planalto Catarinense (Uniplac), Lajes, Brasil, em 10 de julho de 1995 e como Distinguished Educator da Northeastern University, Boston, USA, em 14 de março de 1994.

Em homenagem aos que lutaram contra a opressão, a artista sueca Pye Engstron o esculpiu, em 1972, em pedra, ao lado de Pablo Neruda, Angela Davis, Mao Tsé-Tung, Sara Lidman, Elise Ottosson-Jense e Georg Borgström. Em forma de banco em uma pequena praça no bairro de Västertorp, em Estocolmo, Freire permanece aberto e coberto pelo frio do Norte a quem queira nele sentar-se.

Poderia elencar, entre outras, algumas instituições que criaram centros de documentação, informação, divulgação e estudo de e sobre Paulo Freire. Tenho, por justiça, que começar pelo CEDIF - Centro de Estudos, Documentação e Informação Paulo Freire - pelo esforço do professor Admardo Serafim de Oliveira junto à Universidade Federal do Espírito Santo e o "Bureau Paulo Freire" na Universidade Federal de Pernambuco, ambos no Brasil. Acrescento A.G.SPAK, Munique, Alemanha; CAAP - Centro di Animazioni per L'Autogestione Popolare, Alia, Itália; CEDI - Centro Ecumênico de Documentação e Informação - com sedes no Rio de Janeiro e em São Paulo, Brasil; CEG - da Universidade Federal do Espírito Santo, Brasil; Center for the Study of Development and Social Change, Cambridge, Massachussetts, USA; Centro de Educação Popular Instituto Sedes Sapientiae, São Paulo, Brasil; VEREDA - Centro de Estudos em Educação, São Paulo, Brasil; CEP - Centro Pastoral Vergueiro, São Paulo, Brasil; CIDOC - Centro Intercultural de Documentação, Cuernavaca, México; Conselho de Educação de Adultos para a América Latina - CEAAL, Chile; INODEP - Institute Oecuménique au Service du Développement des Peuples, Paris, França; Institut of Adult Education da Universidade de Dar-Es-Salam, Tanzânia; LARU Latin American Research Unit, Toronto, Canadá; MABIC - Mouvement d'Animation de Base International Outmoetings, Hasselt, Bélgica; Birgit Wingerrath (acervo particular), Drie-Benst, Alemanha; Research Library, Washington, DC - USA; SPE - Scuola Professional Emigranti - Zurigo, Zurique, Suíça; Syracuse University, Syracuse, NY - USA; The Ontario Institute for Studies in Education - OISE, Toronto, Canadá; UNIMEP - Universidade Metodista de Piracicaba, São Paulo - Brasil; UNISINOS - Universidade Vale dos Sinos, São Leopoldo, Rio Grande do Sul, Brasil; University of Michigan, Ann Arbor, Michigan ,USA e o Institulo Paulo Freire com sede em São Paulo, Brasil; em Los Angeles, CA - USA, Munique, na Alemanha e San José, Costa Rica.

Freire é também presidente honorário de algumas instituições: CEAAL, CECIP (Centro de Criação da Imagem Popular, Rio de Janeiro), INODEP (Institute Ecuménique au Service du Développement des Peuples, Paris), VEREDA (Centro de Estudos em Educação, São Paulo), INCA (Instituto Cajamar, São Paulo), ICAE (International Council for Adult Education, Toronto), CECUP (Centro de Educação e Cultura Popular, Salvador, Bahia), entre outras de todo o mundo.

Paulo Freire visitou, à convite, uma centena de cidades de todo o mundo, incluindo as do Brasil e as de outros continentes. Assim pôde conhecer e apreciar modos de pensar, de sentir e de agir de pessoas dos seguintes lugares: da América do Norte: USA, Canadá, México; da América Central: Nicaraguá, Costa Rica, El Salvador, Panamá, Cuba, Haiti, República Dominicana, Barbados e Granada; na América do Sul; Colômbia, Venezuela, Equador, Peru, Bolívia, Chile, Argentina, Paraguai e Uruguai; da Europa: Portugal, Espanha, França, Inglaterra, Escócia, Irlanda, Bélgica, Holanda, Alemanha, Suíça, Itália, Áustria, Grécia, Polônia, Dinamarca, Suécia e Noruega; da África: Senegal, Guiné-Bissau, Cabo Verde, Gabão, Angola, Botswana, Zâmbia, Tanzânia e Kenya; da Ásia: Irã, Índia e Japão; e da Oceania: Papua Nova Guiné, Nova Zelândia, Fiji e Austrália.






Seus livros publicados são: Educação como prática da liberdade; Pedagogia do oprimido; Extensão ou comunição?; Ação cultural para a liberdade; Educação e mudança; Cartas à Guiné-Bissau; Conscientização: teoria e prática da libertação; A importância do ato de ler; Política e educação e Educação na cidade (Estes dois últimos livros reúnem algumas entrevistas suas quando era secretário da educação. No livro Política e educação, há também algumas conferências recentemente pronunciadas nos USA e na Europa); Pedagogia da esperança - uma releitura de Pedagogia do oprimido; Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar (Como diz o próprio título, um livro destinado aos professores de um modo geral, mas, sobretudo, às alunas do curso de magistério que estão se formando para serem professoras do ensino primário. Penso que seria bom que pais e mães de crianças em idade escolar também o lessem e assim tivessem a oportunidade de entender as denúncias feitas por Freire no sentido de se caminhar para um profissionalismo mais consciente e eficiente dos e das docentes, que passa, necessariamente, pela compreensão e adesão das famílias dos alunos); Cartas à Cristina ( Quinto trabalho escrito após deixar a Secretaria de Educação de São Paulo, é um livro de ensaios com temas que vão das dificuldades de sua família empobrecida nos anos 30 até a questão da ética do professor-orientador em sua relação afetivo-epistemológico-ideológica com o aluno orientando. Estas cartas foram prometidas à sua sobrinha Cristina quando ainda vivia no exílio, mas só depois de muito mais de dez anos foram concluídas) e À sombra desta mangueira (Escrito em 1995, como contraponto à onda do neoliberalismo, que vem invadindo o mundo e, nos dias atuais, transforma-se em projeto que propala a salvação nacional de nossa sociedade).

Os livros em diálogo com outros educadores são: Paulo Freire ao vivo, com professores e alunos da Faculdade de Ciências e Letras de Sorocaba; Por uma pedagogia da pergunta, com Antonio Faundez; Essa escola chamada vida, com Frei Beto; Medo e ousadia: o cotidiano do professor, com Ira Shor; Pedagogia: diálogo e conflito, com Moacir Gadotti e Sérgio Guimarães; Sobre Educação, Vol. I e II, com Sérgio Guimarães; Aprendendo com a própria história, Volume I, com Sérgio Guimarães (deverão brevemente "falar" o Volume II); Teoria e prática em educação popular, com Adriano Nogueira; Alfabetização: leitura do mundo, Leitura da Palavra, com Donaldo Macedo e We Make the Road by Walking, com Myles Horton.

Todos os livros de Paulo Freire, com exceção desse último listado feito em parceria com Myles Horton, estão publicados no Brasil, na língua portuguesa, obviamente. Quase todos estão editados em inglês, francês e espanhol e grande parte deles também em italiano e alemão.

A Pedagogia do oprimido foi traduzida para os povos dessas citadas línguas e, no mínimo, para mais duas dezenas de idiomas desde o japonês, o hindu e outras línguas orientais até o ídiche, sueco, holandês e outras línguas dos países europeus. Educação como prática da liberdade foi também traduzido para a língua basca e Pedagogia da esperança inclui em suas traduções, o dinamarquês.

5. O escritor Paulo Freire

Considero muito importante chamar a atenção dos leitores e leitoras desta biografia para a maneira como Paulo Freire vem escrevendo seus textos. Seu processo de escrever, segundo ele mesmo confessa, não é apenas o de grafar as suas idéias concebidas, com o lápis ou, o que é mais habitual para ele, com uma caneta hidrográfica numa folha de papel, mas o de produzir textos bonitos que exponham com exatidão o seu raciocínio filosófico-político de educador do mundo. Freire não tem pressa de produzir livros e textos para contá-los em número no fim de cada ano - não é esse o seu objetivo, como não deve ser o de nenhum intelectual no mundo. Ele elabora suas idéias mentalmente, anota em pedaços de papel ou em fichas ou as põe "no cantinho da cabeça" quando elas surgem na rua, nas conversas ou durante a sua fala em alguma conferência.

Acumula-as, e depois quando as tem lógica, epistemológica e politicamente filtradas, organizadas e sistematizadas, ele senta-se na cadeira de sua escrivaninha e sobre um apoio de couro, com papel sem pauta e de próprio punho, quase sempre sem rasuras e sem nenhuma correção, escreve seu texto, cercando o tema, aprofundando-o até esgotá-lo, "desenhando" no papel branco com caneta azul, fazendo muita vezes os destaques com tinta vermelha ou verde, a imagem criada na sua inteligência, a linguagem criada no seu "corpo consciente", no seu corpo inteiro, porque vem de sua paixão pelo ato de conhecer, de ler-escrever e de sua vivência pessoal como homem sensível de seu tempo.

Assim quando se senta para escrever não fica fazendo rabiscos "procurando inspiração". Não. Senta-se e escreve. Quase nunca muda seus parágrafos, suas palavras, sua sintaxe ou a divisão dos capítulos de seus livros. Pára para pensar ou para consultar um dicionário. É disciplinado , atento, paciente. Nunca quer terminar afobado ou irritado um texto porque tem a hora ou o dia estipulado para acabá-lo.

Escreveu os três primeiros capítulos da Pedagogia do oprimido em apenas quinze dias porque os tinha pensado por mais de um ano. Ficou meses escrevendo o quarto e último capítulos, porque os escreveu logo após os momentos em que ia ordenando as idéias em seu pensamento.

A Pedagogia da esperança veio em compasso de maturidade, por isso escreveu-a toda no mesmo ritmo. A riqueza do conteúdo acompanhada de uma maior homogeneidade no seu estilo, cresce e se aprofunda a cada parágrafo, a vibração com o envolvimento de sua obra com o mundo está presente da primeira à última linha e sua paixão e esperança pelas pessoas e pelo mundo embebem cada uma de suas palavras.

Acabada a Pedagogia da Esperança, Freire escreveu Professora sim: tia não: cartas a quem ousa ensinar. Embora as cartas mudem de tema, permanecem nelas a riqueza e o amadurecimento de sua linguagem de educador político. É uma linguagem apaixonada e crítica que respeita o leitor-professor ou leitora-professora ao expor as ideologias subreptícias a esse tratamento aparentemente afetivo - "Tia"- e outras de que a e o profissional da educação têm que estar conscientes para radicalizar sua competência profissional .

Cartas a Cristina, foi iniciado em Genebra e, mesmo sofrendo várias interrupções, tem a continuidade e coerência próprias de Freire.

Certo de que as injustiças sociais não existem porque têm de existir, respondeu aos desafios do nosso tempo escrevendo À sombra desta mangueira no qual buscou desmistificar as teses do neoliberalismo.

A forma dada por Freire à Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar e Cartas à Cristina difere da dada à Pedagogia da esperança ou À sombra desta mangueira. Nestes primeiros dois livros, ele trata os temas-problemas em forma de cartas porque as considera mais comunicantes do que a forma tradicional de ensaios. Na Pedagogia da esperança, opta, entretanto, por um trabalho que, aparentemente, não tem a forma mais direta e próxima de se dirigir ao leitor ou leitora, mas que, na verdade, por tratar de reações positivas e negativas das pessoas ao seu livro Pedagogia do oprimido, o livro se aproximou muito do leitor, provocando-o tanto quanto as "cartas", mesmo sendo um livro que não tem sequer capítulos. Assim, também escreveu À sombra desta mangueira entendendo que o leitor mesmo os reescreverá entre outros momentos, sem dividi-los em capítulos, itens e sub-itens.

Todos estes cinco livros têm, acima de tudo, um ponto em comum - a forma madura e convincente da teoria e da prática educativas conscientes, da lucidez e da transparência, da opção política a favor dos oprimidos e da ética de vida e da estética da linguagem de quem sabe o que quer e sabe como dizer, porque traduz os anseios de todos aqueles e todas aquelas que querem a necessária libertação dos homens e das mulheres e não só a sua própria, o seu desejo pessoal.

É fundamental enfatizar que em Paulo Freire não há um tempo de escrever e um tempo de ler. Há sim um tempo de ler-escrever ou escrever-ler. É que esses atos tidos e aceitos quase sempre como separados em dois momentos distintos do ato de conhecer vêm sendo, para Paulo, um instante único e indissociável do saber.

Quando Freire escreve, vai "lendo" outros autores e relendo a si próprio da mesma maneira que ao ler a si e a outros autores vai, ao mesmo tempo, escrevendo ou re-escrevendo a si e aos outros.

Terminaria esta minha análise sobre o ato de escrever de Paulo dizendo que seus manuscritos se inserem no papel com tanta harmonia que mais se assemelham a um desenho que pode ser olhado e admirado antes mesmo de lermos o significado de suas palavras e frases ou da leitura de mundo que estão escritos.

A obstinação que vem devotando nestes últimos anos ao ato de escrever se deve ao seu sonho da utopia democrática. Ele está convicto de que devemos fazer o possível hoje para construirmos uma sociedade democrática amanhã. Como educador-político, tem a percepção clara de que cabe a nós educadores uma parte desta tarefa de transformação de nossa sociedade. Escrevendo como educador-político se sente e se sabe cumprindo a tarefa-desafio que se lhe impôs.

Assim, vem se entregando a ela, escrevendo, contestando, argumentando, procurando interferir mais diretamente no processo educativo para, dialeticamente, transformar as sociedades , sobretudo a brasileira, no sentido de que ela se torne menos autoritária, menos discriminatória, enfim, mais justa.

Assim, Freire não escreve por escrever, e também não é educador para ser apenas um pedagogo do povo, mas para ser um escritor-pedagogo-educador que quer dar instrumentos epistemológicos e políticos às mulheres e aos homens para que aquelas e estes transformando e reinventando suas sociedades, se afirmem, enquanto sujeitos de sua história, conscientes, engajados e felizes.

O seu esforço e sua dedicação à causa tão importante como a educação estimularam educadores e educadoras, sindicatos e sindicalistas, dirigentes e associados de organizações de diversas naturezas de todo o mundo, convictos de que a paz começa por dias melhores e direitos iguais para todos os povos, a apresentarem, em 1993, seu nome ao Comitê que outorga a cada ano o Prêmio Nobel da Paz, na Noruega.







Lutar pela paz através da educação pressupõe um novo entendimento de paz que vem conquistando, dia a dia, novos adeptos. Freire, que partilha dessa compreensão de paz, vem à educação se dedicando com amor e tenacidade, por isso o seu nome se mantém entre os que podem um dia receber este reconhecimento da humanidade.

À sua experiência pessoal, ao seu que-fazer e às suas reflexões, Paulo Freire juntou as influências recebidas de diferentes pessoas: de seu amigo e antigo diretor do Colégio Oswaldo Cruz, Aluízio, de sua primeira mulher Elza, alfabetizadora de crianças, de outros(as) educadores(as) e filósofos(as), e também das pessoas do povo que, igualmente fortes nas suas marcas, não ficaram esquecidas em sua práxis.

Freire jamais nega estas influências pois se sabe vivendo, trabalhando e fazendo em situação dada - que ele não fez - e, portanto, sofrendo, como todo homem e toda mulher - seres históricos - as influências da cultura de seu tempo e das culturas anteriores, mesmo se sabendo crítico e fazedor.

É desse modo que no seu que-fazer e nas suas reflexões carrega as suas experiências pessoais molhadas, como gosta de dizer, das influências deste mundo que é ao mesmo tempo seu e não o é. É da relação dele com o mundo que inclui o outro.

Assim, reinventando e superando, em parte ou no todo, muitos dos seus mestres, foi - e continua - construindo a sua própria maneira de pensar. São presenças na sua leitura de mundo tanto Marx, Lukacs, Sartre e Mounier quanto Albert Memmi, Erich Fromm, Franz Fanon, Merleau-Ponty, Antonio Gramsci, Karel Kosick, Marcuse, Agnes Heller, Simone Weill e Amilcar Cabral.

Não há como negar na sua maneira própria de pensar porque reinventa e supera em parte ou no todo muitos dos seus mestres, a influência do marxismo, do existencialismo, do personalismo ou da fenomenologia. São presenças na sua leitura de mundo tanto Marx, Lukacs, Sartre e Mounier quanto Albert Memmi, Erich Fromm, Franz Fanon, Merleau-Ponty, Antonio Gramsci, Karel Kosik, Marcuse, Agnes Heller, Simone Weill e Amilcar Cabral.







 

Aluízio P. de Araújo, um homem que fundamentava na democracia sua luta pela educação, influenciou-o desde a adolescência não só pelo caráter de extremo respeito e solidariedade para com o outro, mas também pelo seu humanismo cristão autêntico, pelo seu exemplo de vida, de seriedade, de cidadão e de compreensão humana. Teve como princípio, como um sonho, o direito à escola para todo homem e toda mulher. Assim, fez de seu colégio um espaço aberto para quem quisesse estudar, mesmo para aquele que não pudesse pagar ou pertencesse à religião, raça ou classe social diferente da sua.

Elza, sua companheira por 42 anos, professora e diretora de escolas públicas de Recife dos anos 40 até o golpe de Estado de 1964, influenciou-o com seu gosto pelo ato de alfabetizar, de fazer o outro capaz de escrever a palavra e de mostrar a alegria de quem a lê.

Têm sido importantes também para Freire, como ele revela tão claramente em seus escritos de Pedagogia da esperança, as influências de um número enorme de pessoas com as quais conviveu, discutiu conhecimento ou trabalhou em todo o mundo. Dá testemunho de pessoas que o tocaram pela sensibilidade, pureza e sabedoria de suas ações e narrativas, e daqueles que o instigaram pela razão elaborada e lúcida do conhecimento científico.

6. O ser humano Paulo Freire

Orgulhoso e feliz, modesto e consciente de sua posição no mundo, Paulo Freire vive a sua vida com fé, com humildade e alegria contida. Com seriedade e desejo de transformação. Aprendendo com os oprimidos e lutando para a superação das relações de opressão. Vivendo as tensões e os conflitos do mundo, mas esperançoso nas suas necessárias mudanças. Impacientemente paciente vem lutando por um mundo mais democrático.

Tem medo de viajar de avião e gosta de "passear de carro" para ver gente, paisagens e prédios. Cantarolava música popular brasileira e até hoje continua assobiando. Villa Lobos sabe disso!

Esperou pacientemente calado quase setenta anos, exatamente até o Natal de 1995, quando descobri que um de seus desejos mais recônditos era "ganhar de presente" uma bola de couro. Alegrou-se com o desejo adivinhado que guardava desde os tempos que a sua meninice pobre não permitia nada mais do que as bolas feitas com meias velhas rotas para jogar futebol nos campos de Recife e de Jaboatão. Andar de bicicleta continuará para sempre o sonho não realizado.

Sente-se à vontade falando com pessoas das classes populares. Valoriza as idéias, as falas, os costumes, as crenças das pessoas dessa classe que têm, de forma e natureza diferentes das dos intelectuais, provocado nele o sentimento de solidariedade e cooperação e têm permitido entender, mais dialeticamente, com eles e a partir deles, a filosofia, a política, a ciência e a própria vida.




Ama São Paulo, Santiago, Cambridge, Genebra, cidades que o acolheram de maneira generosa, mas ama o Recife como se uma pessoa fosse, seu solo-mãe, terra quente da brisa fresca de todas as tardes. Ama as pessoas independentemente de sua raça, de sua religião, de sua idade ou de sua opção ideológica. Tem muitos amigos e recebe afeto e carinho de homens e mulheres por onde passa, conversa ou faz discursos.

Gosta de cães, mas, sobretudo, de passarinhos.

É tolerante e calmo, mas suficientemente agressivo para defender seu espaço pessoal e profissional. Nunca ofende, mas também não suporta que o ofendam.

Nordestinamente gosta do calor das águas e de caminhar pela praia. Abate-se com o frio que traz consigo o escuro da eterna noite e se compraz com o calor que o sol forte e luminoso impõe ao nordeste brasileiro.

A comida típica do nordeste, cujo sabor guarda de memória, é quase exclusiva em seu cardápio. Não troca por nada uma "galinha de cabidela" servida com feijão ou um "peixe ao leite de côco" servido com feijão de côco. Sorvetes? Só os de "frutas tropicais": pitanga, cajá, graviola, mangaba... Doces? De jaca e de goiaba, acima de todos. Frutas? Manga, sapoti, araçá, jaca, banana, abacaxi, mamão, carambola, pinha, caju...

Foi fumante voraz e só quando pressentiu o mal que o tabaco estava fazendo à sua saúde é que largou, com raiva, como gosta de enfatizar, a fumaça e as tragadas. Talvez um pouco tarde porque vem sofrendo seqüelas que a raiva do fumo não apagou em seu corpo.

Freire é, sem dúvida, um homem nordestino em seus sentimentos fortes e apaixonados, em sua negação contra tudo que esteja fora de seus princípios; em sua maneira de falar e escrever metaforicamente através de estórias; em seu hábito alimentar, em seu jeito de respeitar a honradez e a lisura nos homens e nas mulheres e sobretudo em sua inteligência criadora e revolucionária de homem inconformado com as injustiças que vêm sendo historicamente impostas à grande parte da população do mundo.

Considera-se um ser privilegiado por ter podido acompanhar tantos eventos históricos importantes: a Revolução de 1930; a emersão das massas e os movimentos de educação popular; a viagem do homem à Lua; a luta de emancipação da mulher e seu novo espaço conquistado; as "proezas" dos computadores e do fax ; a volta do povo às ruas do Brasil pedindo eleições "diretas já" ou, mais recentemente, repudiando a corrupção e exigindo, ao mesmo tempo, a ética na política e o "impeachment" do presidente corrupto - eleito pela "inexperiência democrática" de nosso povo. Assim, comoveu-se com a participação alegre e decidida dos jovens "cara pintada" aos milhões pelas ruas e praças do país; endossou a postura de parte do magistrado brasileiro que conduziu o processo de maneira competente, com serenidade, firmeza e integridade, como também a determinação clara e lúcida de muitos deputados e senadores do Congresso Nacional na deposição do presidente e em outros momentos de necessidade de reação a atos e pessoas que, privilegiando seus interesses próprios, perpetuam a sociedade autoritária, elitista e injusta. Sabe, entretanto, que há muito por que se lutar para concretizarmos a democracia no Brasil, por isso continua escrevendo, bradando e se indignando.

Semblante calmo, cabelos longos e barbas brancas, estatura mediana, corpo magro, olhos cor de mel e sua constante disposição para trocar experiências, para dialogar, sobretudo, quando está explicitando suas idéias sobre educação ou discutindo as de outros, são algumas de suas características marcantes. São igualmente significativos seu olhar forte, meigo, profundo, comunicante e os gestos, sempre expressivos, de suas mãos. O olhar e os movimentos das mãos revelam os desejos e espantos de sua alma eternamente apaixonada pela vida. Quem conheceu Freire dificilmente esquecerá destes traços que traduzem sua personalidade segura, terna e comunicativa.

Gostaria de ter sido cantor famoso ou eminente gramático da língua portuguesa, mas ele mesmo reservou para si o direito e o privilégio de ser, reconhecidamente, um dos maiores educadores deste século.



Fonte: http://www.ppbr.com/ipf/bio/esposa.html