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SÃO JOÃO MARCOS - ESQUECIDA PELA HISTÓRIA

Gabriela Fagliari e Glauber Santos

Era 1907. Na pequena e próspera cidade de São João Marcos, no Rio de Janeiro, corria o boato de que a grande inundação poderia trazer arrasar toda a cidade. Acabara há pouco a construção de uma grande barragem que iria submergir 97 fazendas próximas.

São João Marcos nascera para ser grandiosa. Como berço da expansão cafeeira no Vale do Paraíba, sempre abrigara em suas terras poderosos e abastados fazendeiros. Suas plantações abastecera boa parte do mercado europeu do século XIX, mas seu fim seria marcado por acontecimentos sombrios.

Em 1889 a abolição da escravatura marcaria o início de sua decadência. Os grandes fazendeiros não conseguiram superar o problema da falta de mão-de-obra e rapidamente a produção caiu a níveis desastrosos. Enquanto isso, os agricultores do Oeste Paulista assumiam as rédias do mercado da noite para o dia.

Apesar de todas as dificuldades, em 1907 a cidade já experimentava alguns frutos do novo ciclo de expansão – a construção da Estrada de Ferro que ligaria Barra Mansa à Angra dos Reis. A ferrovia trouxe de volta o antigo ar de prosperidade e novas possibilidades começavam a ser desenhadas para o futuro de São João Marcos.Mas após dois anos de tentativas, foi cedida a concessão para a construção da represa de Lages, que abasteceria vários municípios da região com energia elétrica. A represa, que tinha capacidade para 224 milhões litros de água, seria a principal responsável pelas trágicas ocorrências que assolariam a população.

A inundação teve início. A represa avançava rapidamente. Grandes morros transformavam-se em pequenas ilhas. Plantações e casas desapareciam sob as águas turvas do Ribeirão das Lages. Enormes áreas da zona rural do município submergiram.

Nesse processo, formaram-se áreas alagadiças às margens da represa, nas quais jazia grande quantidade de restos orgânicos. A falta de cuidados sanitários na retirada destes propiciou a proliferação da peste. A malária, que sempre esteve presente na região sem ser uma ameaça, tornou-se uma terrível epidemia. Milhares de pessoas sucumbiram em silêncio. A cidade viu mais da metade de seus 5.000 habitantes serem atingidos pela doença.

A população dizimou-se rapidamente. Os que puderam, fugiram para Três Rios. Os que restaram, foram protagonistas de terríveis histórias, como a presenciada por Luís Ascendino Dantas:

...em uma das casas, uma mulher morta tinha em seu colo uma criança que ainda mamava, e a seus pés outra que chorava.

O relato deixado por Agrippino Griecco e Luiz de Souza Breves, quando em viagem à cidade descreve outras cenas ainda mais trágicas:

No pior período da epidemia, abriam-se valas enormes no cemitério e muita gente ainda viva foi para a cova de cambulhada com os defuntos. Nos arredores encontravam-se cães devorando cadáveres e achou-se até uma criancinha morta.

A população pedia desesperadamente por auxílio, mas nada foi feito. Durante cerca de duas décadas, os poucos habitantes que resistiram na cidade viveram em o mais completo esquecimento. Suas terras submersas, sua população dizimada pela peste e sua economia extinta.

São João Marcos foi reduzida a ponto de, em 1938, ser extinto como município, tornando-se um distrito de Rio Claro. No ano seguinte, o núcleo urbano foi tombado pelo Governo Federal, atendendo aos pedidos da população local.

Mas em 1940 o presidente Getúlio Vargas “destombou” o distrito a fim de ceder as terras para a ampliação da represa que agora passaria a abastecer água e energia elétrica para a capital fluminense. Dezenas de trabalhadores munidos de marretas e explosivos expulsavam as últimas famílias e dinamitavam as casas. O fogo consumia as madeiras. A Igreja Matriz foi a última a cair. Apenas o cemitério foi respeitado, sendo transferido para o alto de um morro no qual estaria a salvo das águas. São João Marcos estava finalmente extinta.Apesar de ter sido destruída a fim de ser inundada, versões locais afirmam que as águas da represa atingiram tal nível apenas uma vez. Hoje, caminhando pelo calçamento daquela que fora a rua principal, pode-se ver apenas algumas ruínas. Uma única ponte resiste, intacta, como se ainda espera-se por passantes. De lá se pode avistar, no alto de um dos morros, o cemitério público. O branco dos túmulos salta entre o verde lembrando que, num passado não muito distante, aquele local fora habitado por algo mais que pequenos pássaros. O esquecimento está por todos os lados, escondido sob cada pedra. Com um pouco de imaginação pode-se ouvir o ruído das tropas de café em direção ao porto e até mesmo alguns sons de vida na cidade morta.


Fonte: http://www.valedoparaiba.com/terragente/artigos/saomarcos.html Matéria enviada por:  José Eduardo de Oliveira Bruno  - SP, junho de 2004. E-mail: jeobruno@uol.com.br e ou/ jeobruno@hotmail.com